quinta-feira

Rio de Janeiro, 8 de Abril de 2010

Mônica,

Faz um tempo que a gente não se fala. Distância é uma coisa meio engraçada, né? Porque eu sei que foram meses desde nosso último contato, mas as coisas que você fala ficam aqui comigo todos os dias. E nem é que eu não tenha saudades, porque é claro que eu gostaria que a gente se falasse sempre, mas eu nem sempre sinto a sua falta, sabe?
É que falta é ausência, você não está ausente em mim. Quando eu digo que é difícil falar Rayssa sem Mônica, não é porque você seja minha confidente de minúcias, é mais porque você é tão uma parte da minha vida que fica difícil a gente separar o que é parte e o que é vida. E olha que há pouco tempo eu nem conhecia sua voz.
Foi muito difícil transpor essa barreira da escrita e passar pra fala de fato, eu que sou tão tagarela. Eu até fingi uma certa naturalidade, sou especialista em parecer apática, como se nada fosse uma novidade relevante. Mas meu coração parece que palpitada, com medo de como seria falar diretamente com Mônica.
Imagina o medo que me dá do dia que a gente se encontrar.

Mas eu escrevo, minha lagarta listrada, pra contar que estou viva. Tá chovendo o mundo. Aí faz sol. Aí venta. Então, como se fosse normal, chove de novo. Aí venta e limpa as nuvens e vem um solão. Segundos depois, a tempestade. Mônica, parece que alguém jogou um copo de suco bem em cima da máquina do tempo, e agora bagunçou tudo. Tão dizendo por aí que é um ciclone extratropical, mas eles só encontram a explicação pra coisa depois que a coisa toda se instalou.
Pra mim, parece sempre que as situações são pra sempre. Tá um sol dos infernos, vai ser pra sempre. Tá frio, é pra sempre. E tá tudo junto, nesse tempo louco, parece que vai ser isso pra sempre. Não consigo nunca vislumbrar essa possibilidade de futuro, a chuva que está chovendo é agora e é pra sempre.
E como se o momento em que a chuva é se alongasse indefinidamente, no pra sempre. O Tempo da chuva não passa.
Verdade que a chuva não tem tempo, quem tempa por aí sou eu.

Não se preocupe comigo - embora, talvez, você nem estivesse ligando muito pra isso. Eu não morro molhada e a chuva forte não vai desabar minha casa, então vou ficar aqui um tempo. Se eu pudesse, reunia todo mundo aqui até passar, mas sei que ia ficar irritada com o barulho e a confusão, sem conseguir apreender mais nada depois de um tempo. Sou assim, tenho um limite de tempo pra barulho. Dois dias e já começa a vencer, preciso do meu silêncio e de escuro. Pra poder nascer outra vez pro claro pra recomeçar a ver e ouvir o mundo.

Eu descobri esses dias que o que mais gosto num dia de chuva e não precisar dar desculpa nenhuma pra passar o dia inteiro em casa, lendo, escrevendo e fazendo o que eu gosto. E que, ao sair na rua, não preciso dar desculpa nenhuma pra não olhar pra ninguém nem falar com nada ao meu redor, porque a chuva cria uma bolha ao redor de cada um, todos andando apressados embaixo de seus guarda-chuvas.
Tenho tempo pra reparar no menino no chão. Pra analisá-lo. Tenho tempo pra sentir em mim a dor de ter um menino no chão, que é algo muito longe da dor do menino. Tenho como andar por aí cantando, sem que ninguém fique me ouvindo, e ainda tenho um guarda chuva azul-céu, pra brincar de afastadora de nuvens.

Aí vou levando essa coisa meio louca, que é a melancolia dessas dores junto com a alegria de ser sozinha. E de poder chegar em casa, tomar um chá e escrever um pouco. Cartas pra todo mundo, porque amo as pessoas à distância. Gosto de me encontrar com elas, mas gosto de ser sozinha. Quando posso ser sozinha mesmo com elas, aí fico pra sempre e nunca vou me incomodar ou precisar do meu tempo de descanso dos sons e do barulho.

Mas todos os outros demandam um prestar atenção constante, querem conselhos, querem conversa, querem amor e afeto. E eu, que não tenho isso nem pra mim - talvez só a conversa, mas de vez em quando eu tenho preguiça (pasme) - como é que vou dar pros outros?

Mônica, por isso eu escrevo cartas. Por isso que você é tão parte de mim, porque eu posso fazer parte da sua vida e ainda ser eu, eu não preciso me doar completamente pra você e esquecer do mundo maravilhoso que me cerca. Tenho muitos amigos assim, mas você é a única para quem escrevo cartas.
E fico esperando sua resposta, aquela na qual eu fico a par do seu mundo e da sua forma de compreender o que se passa. Onde eu ouço suas lamentações e problemas e a gente faz essa troca. Um pedaço meu por um pedaço seu, pra gente conseguir ficar completa.

Com Açúcar e Afeto,

Ray.

Nenhum comentário:

Postar um comentário