sábado

Copacabana, 14 de novembro de 2010

Mônica,

Nasceu meu afilhado. Dia nove, eu digo. Ele tinha só oito meses e é uma coisinha pequenininha e tão linda. Eu boto ele pra dormir no meu tronco, quando ele começa a chorar com cólicas e ele para. Por um tempo. Passa uma sensação inexplicável de calma, de paz.
Eu fiquei muito feliz ao constatar que ele tinha nariz. Não que eu achasse que ele não fosse ter, nem nada assim. E não sei explicar o porquê do nariz dele me aliviar tanto. O Fato é que ele tem nariz. E é o nariz mais pequeno, lindo e mais nariz de todos os narizes que eu já vi.

mas mônica, estou irritada. Chega aquele estágio mensal na vida da gente que não dá mais, sabe? e parece que todo mundo tá colaborando para a irritação e a tristesa aumentarem. eu odeio essas coisas.
Devia me isolar numa montanhazinha e não falar com ninguém até passar. Mas aí eu acho que ia me deprimir, porque não teria com quem tagarelar. De qualquer forma, são bons períodos para escrever cartas.

e agora a gente chega na hora metalinguística da carta em que falamos dela própria. Se me perdoa, vou pular.

Vi um menino correndo hoje, na rua. Tão molequinho, devia ter uns dois aninhos. Todo desengonçado e lindo. será que demora muito pro meu afilhado ficar assim? quero uma criança espoleta no meu pé. E não passar quatro horas passando fralda pra recém-nascido.

Aliás, ele hoje abriu os olhos. E fica girando a cabeça e tentando focar o mundo. Minha tia disse que ele não vê nada além de vultos, por enquanto. Mas eu tenho certeza que ele tem aqueles surtos de genialidade e compreensão que assolam a gente, mas o tempo todo. E vê o mundo de um jeito que nós não podemos mais, e é um jeito lindo. Como a gente, acho que ele não entende nada. Mas também não fica perguntando, só olha. e olha, olha, olha.
São azuis, os olhos, muito azuis. Mas minha tia acha que vão ficar castanhos. Eu não me importo muito, gosto de olhos castanhos. Mais do que de olhos azuis e tal, pelo menos. E não é despeito por ter olhos castanhos, porque tem mesmo uns olhos azuis que são lindos. Mas eu nunca quis trocar os meus por nenhum outro.
Meus olhos são iguais desde que eu era um bebê, dá pra ver nas fotos. Nunca mudaram muito o formato, a cor, o brilho. Só cresceram, duh. Então eu meio que sempre me reconheci por eles.

estou esperando o dia em que alguém vai falar isso. Sabe, sempre tive a impressão de que O Cara Certo me falaria dessa coisa dos meus olhos. São indisfarçáveis.

aliás, esses dias eu tava na casa de um amigo e nós não esperávamos ninguém e o interfone tocou. Eu fiquei pensando se não era um príncipe encantado pra me levar pra dar uma volta de cavalo. E depois me trazer pra continuar jogando RPG, claro. Engraçado como a gente fantasia umas coisas absurdas e se perde no mito do amor romântico, bem como aquele site, yubliss, que você me idicou, dizia. Mas é tão bonito, não é não? Gosto desse mito.

O blog nem bem foi apresentado e já me perguntam quem é mônica. Eu fico um tempo pensando até que digo "ah, é uma pessoa que eu conheço". E aí eles falam "ah, então ela é real?" - porque eles sempre esperam de mim que converse com algum produto da minha cabeça - e eu respondo que mais ou menos.

E aí, mônica, eles me acham louca.

bem, talvez eu seja, mas não tenho muita certeza.

manda um beijo pro guto!

amor, Ray

quinta-feira

Dutra, 8 de novembro de 2009

Mônica,
hoje choveu.
Eu olhava pela janela e as gotas transformavam as luzes dos carros em estrelas disformes e distantes.
Eu não sei mais o que fazer de mim, eu que só faço burradas. Coisas estúpidas, idiotas mesmo.
E eu me sinto adolescente em pensar que gostaria que ele me abraçasse e dissesse que está tudo oquei. Eu, que ainda não sou adulta, que não quero nada e que gosto tanto, mas tanto, de batatas que me perco em gostar.

Mônica, o que é que a gente faz do mundo quando ele vira ao contrário e parece mais certo assim?
me olhei no reflexo e era eu. Era eu disforme, talvez. Não. Mas a realidade de eu ali me espantou mais do que qualquer coisa. Mõnica, a gente é assim, o espelho nos mostra. É o mundo que nos faz girar pra frente (e cair?)?
eu devia dar um jeito na minha vida, nas minhas coisas, no meu cabelo... Eu devia assistir às aulas da faculdade, tomar um banho, fazer um sexo que fosse. Sei lá, eu devia alguma coisa. mas nada me persegue e eu desaponto os outros em desculpas.

Mas mônica, estou feliz. não se engane. feliz na minha melancolia, eu acho. É todo mês assim, deve ser TPM.

Eu olhei pela janela, depois da chuva. Olhei através dela. E talvez eu não devesse, talvez devesse ter continuado quieta no meu canto. mas olhie.
Mas eu olhei. E as luzes piscavam, mesmo. não é metáfora. Em tempos diferentes, todas elas. as luzes dos postes. Piscavam seus halos e era percebível.

Nossa, acabou de passar um carro na contramão ou estou ficando louca?

Em ônibus de viagem não há conforto e minhas pernas sempre formigam. Vou, como sempre, levantá-las desejando estar em outro lugar, talvez com um pouco de carne assada com batatas, que eu adoro.
Vou levantá-las desejando ser levantada. E cumprirei meus desejos como ordens, porque gosto assim.
Mônica, talvez eu pare a carta por aqui. Sem mais. Porque eu gosto de enrolar, mas queria escrever um poema e parece que ele não vai sair assim.

Voltou a chover. Ainda faz frio. Maldito ar condicionado, eu queria abrir a janela e sentir o vento e a chuva no meu rosto, embora não possa, exatamente. Não dá pra escolher muita cpoisa em ônibus de viagem.

Mas sabe, talvez eu faça isso.

é.


Amor, Ray